Uma das dificuldades destacadas por aqueles que convivem com o HIV há décadas é o envelhecimento precoce. Eles afirmam terem desenvolvidos doenças que são comuns a pessoas com idades mais avançadas que as suas. José Hélio Costalunga possui neuropatia periférica, que fez com que ele perdesse o equilíbrio. “Hoje em dia, passo o tempo inteiro tonto. Ando de bengala. Isso é para o resto da vida.”
Beto Volpe também revela ter tido algumas doenças precocemente. “Tive catarata aos 38 anos. Conheço gente que teve osteoporose aos 27. Tenho várias mazelas como triglicérides, colesterol e glicemia alterados, desde a faixa dos 30 anos”, pontua.
Conforme o infectologista Alexandre Naime, o envelhecimento precoce é recorrente em alguns pacientes que vivem com HIV em razão de uma inflamação crônica causada pelo vírus. “É como se o indivíduo passasse por desafios imunológicos e respondesse com uma série de marcadores inflamatórios, que causam efeitos colaterais. Essa inflamação, com o passar dos anos, aumenta os riscos de doenças. Isso é muito mais intenso naqueles sem tratamento ou que não fazem o tratamento corretamente. Porém, também pode ocorrer, em menor quantidade, naqueles que tomam os medicamentos corretamente e possuem carga viral indetectável.”
“Entre esses problemas precoces estão acidente vascular cerebral, infarto, diabetes, hipertensão, fibrose, entre outros”, acrescenta.
Para José Hélio Costalunga, a medicina enfrenta um novo dilema relacionado ao HIV: como tratar os sobreviventes da epidemia dos anos 80.
Os efeitos colaterais das drogas se acumulam. Leiry Rodrigues diz sofrer com a lipodistrofia – distribuição anormal de gordura – e lipoatrofia – perda de gordura em algumas áreas do corpo. Já Polizzi passou a sofrer de inflamação renal. Por meio de comunicado, em resposta à BBC Brasil, o Ministério da Saúde reconhece que há problemas decorrentes do longo período de utilização dos medicamentos. “Podem ocorrer algumas adversidades como toxicidade óssea ou renal, dislipidemia – níveis elevados de gordura no sangue -, resistência à insulina ou doença cardiovascular.”
No entanto, a pasta afirma que os antirretrovirais adotados atualmente possuem menos efeitos considerados graves ou intoleráveis que os utilizados anos atrás. “Os benefícios da supressão viral e a melhora na função imunológica, como resultado da terapia antirretroviral, superam largamente os riscos associados aos efeitos adversos de alguns desses medicamentos.”
O preconceito e a banalização
Além dos efeitos da doença e dos medicamentos sobre o corpo, os pacientes de HIV tem que lidar com um binômio de reações que os preocupa: o preconceito em relação à sua condição e a banalização do vírus. “Os próprios médicos diziam que era melhor não contar pra ninguém, senão nossa vida acabava”, conta Valéria Polizzi.
Com Volpe, o preconceito se manifestou até mesmo no consultório médico, nos anos 90. “Quando cheguei, o médico não deixou que eu o cumprimentasse e me disse para ficar atrás de uma linha amarela. Ele havia feito uma faixa, a dois metros, para as pessoas com HIV que iam lá.”
Desde 2014, o Brasil possui Lei Antidiscriminação, em 2014, que tornou crime qualquer tipo de discriminação aos portadores do vírus da imunodeficiência e a doentes de Aids.
Se os 30 anos na companhia da doença não reduziram o preconceito para quem vive com HIV, o avanço no tratamento e a diminuição do tamanho do tabu tem causado uma certa banalização da questão. A primeira geração de infectados assiste com preocupação ao descaso de alguns jovens em relação à prevenção: 52,5% dos casos atuais de HIV são diagnosticados na faixa etária entre 20 e 34 anos de idade.
De acordo com o Ministério da Saúde, os jovens homossexuais figuram entre a parcela de pessoas em que houve os maiores aumentos de registros de Aids no Brasil.
“Hoje, o descaso é muito grande, por conta dessa banalização. Muita gente pensa ‘tem terapia, então é só tomar que está tudo bem’. Mas as coisas não são assim tão simples”, declara Rodrigues.
Um dos temores de José Hélio Costalunga, que atua em movimentos sociais em favor de pessoas com HIV, é que o Governo Federal deixe de entregar os medicamentos gratuitos.
“No ano passado houve falta de medicação no Brasil. Muitos jovens pensam que está tudo lindo e maravilhoso, porque existe tratamento, mas as coisas não estão assim. Falta medicação e a gente não sabe o que vai ser daqui pra frente, ainda mais com as mudanças econômicas que estão acontecendo no Brasil”, declara.
O Ministério da Saúde, porém, nega que exista a possibilidade de falta de remédios contra o HIV no Brasil. A pasta justifica que dificuldades com logística na distribuição de medicamentos podem ter prejudicado algumas regiões.
Expectativas para o futuro
Para quem sobreviveu aos anos 80 com o HIV, todos os dias é classificado como uma nova oportunidade.
Valéria Polizzi, que acreditava que não chegaria aos 19 anos, ainda se surpreende quando se lembra do momento em que descobriu o vírus.
Ela torce para que os estudos avancem e que as novas gerações tenham, cada vez mais, menos efeitos colaterais.
José Hélio Costalunga afirma ter aprendido muito sobre a vida desde que descobriu o vírus.
“Eu entendi, na real, o que um mestre dizia: ‘você só vai aprender a viver quando souber o que é morrer’. A gente só entende a vida quando descobre o que é a morte. Passei a entender que o momento é agora, nem antes nem depois.”
Fonte: Portal G1 Notícias